Para Charles Krieck, presidente da KPMG, implantação da IA requer um framework de controle de riscos bastante efetivo

Na visão de Charles Krieck, presidente da KPMG no Brasil e na América do Sul, a inteligência artificial (IA) está aprimorando o papel do contador ao automatizar tarefas repetitivas e operacionais, permitindo que os profissionais se concentrem em atividades estratégicas e consultivas. “Tradicionalmente, grande parte do trabalho contábil envolvia a inserção manual de dados, conciliações e geração de relatórios. Hoje, com IA e automação, esses processos são otimizados, reduzindo eventuais erros e aumentando a eficiência.”

Além disso, ele acredita que algoritmos de machine learning podem analisar grandes volumes de dados em tempo real, identificando tendências financeiras, riscos e oportunidades de economia para as empresas. Essa mudança transforma o contador em um consultor estratégico, capaz de oferecer insights preditivos e personalizados para os clientes.

Na KPMG, os auditores utilizam IA em diversas atividades. A análise de grandes quantidades de documentos e dados em diversos formatos (PDF, planilhas, imagens etc.) pode ser carregada em uma plataforma, e os testes e comparações são requisitados pelo auditor. Isso tem substituído a execução manual de procedimentos de teste, como reconciliações, extração de informações e preenchimento de papéis de trabalho, permitindo que o tempo economizado seja aplicado a análises.

Outro aspecto bastante relevante na empresa é o apoio que as plataformas fornecem ao auditor ao analisar todo o histórico de transações registradas no ERP. Após realizar os testes automatizados, o auditor recebe um indicador de risco com base nos resultados obtidos e também orienta onde realizar os testes de detalhes para aprofundar as análises. “O trabalho do contador/auditor se torna muito mais interessante, pois ele executa suas atividades utilizando tecnologias sofisticadas e valorizando seu conhecimento e experiência”, explica Krieck.

Dados, padrões e indicadores

Ao analisar o impacto da IA na tomada de decisões estratégicas e as implicações éticas envolvidas nesse processo, ele pondera que os avanços em IA têm um impacto significativo na tomada de decisões estratégicas, pois permitem que as empresas analisem grandes volumes de dados com rapidez e precisão. Com algoritmos avançados de machine learning, é possível identificar padrões, prever tendências de mercado e simular cenários futuros, tornando a gestão mais proativa e baseada em dados concretos. Isso se traduz em decisões mais ágeis e assertivas em áreas como investimentos, alocação de recursos, precificação e gestão de riscos.

Para Krieck, a combinação do uso de dados internos da empresa com indicadores de mercado permite que os algoritmos identifiquem quais fatores mais influenciam o desempenho da empresa, orientando os gestores na tomada de decisões antecipadas e protegendo a empresa contra riscos iminentes, além de aproveitar oportunidades de mercado antes da concorrência.

Como a IA ainda está nos seus primeiros anos de vida em termos de utilização massiva pelas empresas, para ele, é natural que ocorram falhas. Por isso, sua utilização deve ser feita com um framework de controle de riscos bastante efetivo. Na KPMG, chamam esse framework de Trusted AI, que abrange a homologação prévia da utilização dos modelos de IA nos processos operacionais, evitando riscos operacionais e de imagem. “Já existem diversos exemplos descritos na internet de má utilização de IA no ambiente corporativo. O vazamento de dados sigilosos, porque um funcionário carregou dados em uma IA pública para obter melhorias no seu projeto, foi um caso que atingiu uma grande empresa.”

IA e habilidades dos contadores

Já no que diz respeito à utilização de IA para correlacionar vagas na empresa com currículos disponíveis, Krieck avalia que isso também pode levar a situações difíceis de explicar para o público em geral, como, por exemplo, um viés por características particulares de pessoas. Na percepção dele, embora a IA tenha revolucionado a contabilidade, seu uso ainda apresenta limites importantes. Ele complementa: a IA é extremamente eficiente na automação de processos, na análise de grandes volumes de dados e na identificação de padrões, mas não substitui a análise crítica, o julgamento profissional e a capacidade de interpretar cenários complexos que envolvem fatores subjetivos, como o contexto econômico, as regulamentações em constante mudança e as particularidades do negócio de cada cliente.

Um dos principais desafios, segundo ele, é garantir que os contadores continuem no centro do processo decisório, usando a tecnologia como uma aliada. Para isso, ele sugere que os profissionais invistam no desenvolvimento de novas habilidades, como análise de dados, interpretação estratégica de relatórios e comunicação consultiva. “A capacidade humana de entender nuances, considerar fatores não quantitativos e oferecer aconselhamento personalizado continua sendo insubstituível.”

Além disso, é fundamental que a IA seja implementada com governança, transparência e supervisão. Dessa forma Krieck acredita que os contadores devem validar os resultados gerados por algoritmos, garantindo que os insights produzidos sejam confiáveis e alinhados às normas contábeis e éticas. Isso evita erros causados por vieses nos dados e assegura que a tecnologia realmente complemente a prática contábil, em vez de comprometer sua integridade.

Sobre as habilidades necessárias para os profissionais da contabilidade com o advento da IA, ele observa que essas competências vão além do conhecimento técnico tradicional. A contabilidade está se tornando cada vez mais analítica e estratégica, exigindo habilidades que permitam ao profissional interpretar dados e agregar valor ao negócio. Assim, ele cita algumas das principais habilidades necessárias:

✅ Análise de dados e interpretação de insights: A IA automatiza cálculos e relatórios, mas o contador precisa saber interpretar os resultados, identificar padrões e traduzir essas informações em estratégias eficazes para os clientes e empresas.

✅ Pensamento crítico e julgamento profissional: A IA pode fornecer recomendações, mas cabe ao contador avaliar os impactos financeiros, regulatórios e estratégicos, garantindo que as decisões sejam fundamentadas e éticas.

✅ Adaptabilidade e aprendizado contínuo: A tecnologia está evoluindo rapidamente, e os profissionais precisam se manter atualizados em novas ferramentas, regulamentações e metodologias contábeis impulsionadas pela IA.

✅ Habilidades digitais: O domínio de softwares de automação, análise de dados e inteligência artificial se torna essencial para integrar a tecnologia à rotina contábil e melhorar a eficiência do trabalho.

✅ Comunicação e consultoria: O contador moderno precisa ir além dos números e atuar como um consultor estratégico, explicando dados complexos de forma clara para clientes e stakeholders.

Com ênfase contínua em treinamento e desenvolvimento, a KPMG possui um amplo programa de formação que inclui conhecimentos técnicos de contabilidade e a utilização de tecnologias para tratamento e processamento de dados em grande volume, e, mais recentemente, a utilização de IA em atividades específicas, sempre com a supervisão de gerentes e sócios para verificar os resultados produzidos.

A adoção crescente da IA pelas empresas certamente impactará o mercado de trabalho; porém, Krieck acredita que isso ocorrerá seguindo uma dinâmica de transformação gradual na forma como o trabalho é realizado à medida que as tecnologias amadurecem. “Em vez de substituir profissionais, a IA tende a transformar funções, automatizando tarefas repetitivas e operacionais, ao mesmo tempo em que cria novas oportunidades para aqueles que se adaptam às mudanças.”

Ao citar como exemplo, na contabilidade, a IA pode assumir atividades como lançamentos contábeis, reconciliações e emissão de relatórios, mas a análise crítica, a interpretação dos dados e o aconselhamento estratégico continuarão dependendo de profissionais qualificados. Ou seja, a tecnologia não elimina o contador, mas exige que ele desenvolva novas competências para atuar de forma mais consultiva e estratégica.

“O maior risco não está na IA em si, mas na falta de adaptação dos profissionais. Aqueles que investirem no desenvolvimento de novas habilidades — como análise de dados, pensamento crítico, interpretação estratégica e domínio de ferramentas tecnológicas — estarão mais preparados para ocupar funções de maior valor agregado. Por outro lado, aqueles que resistirem à mudança podem enfrentar desafios no mercado de trabalho. Portanto, o foco deve estar na requalificação e na capacitação dos profissionais, garantindo que a IA seja usada como uma ferramenta para aumentar a produtividade e melhorar a tomada de decisões, e não como um fator de exclusão. O futuro do trabalho não será sobre humanos versus máquinas, mas sobre como humanos e máquinas podem trabalhar juntos de maneira eficiente e ética”, finaliza Krieck.