“A inteligência artificial (IA) já vinha transformando a profissão de contador, especialmente no apoio a atividades analíticas e na gestão de grandes volumes de dados. Com a chegada da Inteligência Artificial Generativa (GenAI), que se popularizou no final de 2022, o espectro de aplicação na profissão se ampliou ainda mais. Além da aplicação tradicional voltada para dados, a GenAI potencializa a capacidade de trabalho dos contadores, facilitando diversas atividades como pesquisa de informações, análise e comparação de conteúdos — incluindo normativos — e a preparação de relatórios”, afirma Luiz Sérgio Vieira Filho, CEO da EY Brasil e managing partner Deputy da EY Latin America.
Ele também destaca uma aplicação interessante da GenAI no suporte a atividades mais criativas, como a formulação de hipóteses, revisões literárias e elaboração de planos de trabalho. “O mais fascinante é que esses ganhos vão além da eficiência e produtividade; eles impactam diretamente a qualidade e a capacidade analítica dos profissionais. Isso significa que os contadores podem dedicar mais tempo a atividades em que suas habilidades específicas oferecem um diferencial.”
Esse conjunto de mudanças não apenas redefine a atividade técnica envolvida na contabilidade, mas também transforma a maneira como os contadores atuam profissionalmente. Dentro da EY, Vieira Filho observa essa evolução por meio da utilização do EYQ, um produto interno de IA. “Com o EYQ, nossos contadores ampliam suas habilidades e alteram sua abordagem, levando a EY a reavaliar como os serviços contábeis podem ser prestados.”
Os impactos dos avanços recentes de IA nas decisões estratégicas das empresas desdobram-se em dois níveis. Segundo Vieira Filho, o primeiro está na agenda de aplicação dessas tecnologias como transformação dos negócios. “Por ser uma tecnologia comparável a outras que provocaram revoluções, como a eletricidade ou a internet, a IA traz às empresas o desafio e a oportunidade de mudarem profundamente seus modelos de negócio e operacionais, colocando essa tecnologia na pauta central de todos os decisores.”
O segundo aspecto, segundo ele, refere-se ao próprio uso da IA no dia a dia dos decisores: os executivos têm à sua disposição uma capacidade de trabalho ampliada, com ganhos significativos na análise de dados e documentos e, de forma ainda mais importante, na capacidade de explorar e testar novas ideias e estratégias.
A EY formalizou princípios éticos de IA para garantir que a tecnologia seja desenvolvida de forma inclusiva e justa, mitigando riscos e mantendo a confiança nas decisões empresariais. Por isso, Vieira Filho pondera que a perspectiva das implicações éticas, como responsabilidade, segurança, privacidade e transparência, também deve ter um espaço importante na agenda executiva. “Por ser uma tecnologia ainda em suas etapas iniciais, não apenas na questão técnica, mas também no uso e suas implicações, os princípios de cautela e responsabilidade devem ser exercidos.”
Além disso, na visão dele, a automação e a IA podem aumentar a transparência nas práticas contábeis, ajudando a lidar com desafios éticos e regulatórios. No entanto, ele recomenda que é importante ter muito cuidado ao definir quais decisões podem ser completamente automatizadas. O que ele observa na prática é a importância de estabelecer uma governança robusta e, em muitos casos, envolver os profissionais no ciclo de verificação das decisões, garantindo a acurácia e qualidade.
Um dos aspectos em que a EY tem investido na formação dos profissionais é a capacidade de atuar nessa governança e diretamente nos processos, pois isso traz robustez e transparência sem comprometer a produtividade, impactando positivamente a confiança dos clientes e usuários finais.
Análise crítica humana x aplicação da IA
Na perspectiva puramente técnica, Vieira Filho aponta que parece ser cedo para definir limites específicos, já que, como toda tecnologia, há um processo de experimentação e aprendizado. “Não obstante, há limites do uso relacionados a questões éticas ou de compliance. É essencial que os profissionais sigam princípios éticos e diretrizes de uso responsável da IA.”
Mesmo assim, para ele, a análise crítica humana continua sendo um fundamento da aplicação dessa tecnologia — e, mais do que isso, talvez seja a principal chave para o uso responsável em escala, que trará enormes benefícios econômicos e sociais. Especificamente na contabilidade, ele complementa que a IA deve ser vista como uma ferramenta que potencializa as capacidades dos profissionais, permitindo que eles se concentrem em tarefas que exigem julgamento crítico e análise aprofundada.
“É evidente que os profissionais da contabilidade precisarão desenvolver ainda mais habilidades em tecnologia, análise de dados e pensamento crítico. A capacidade de trabalhar com ferramentas de IA e entender suas implicações éticas será fundamental para o sucesso na profissão”, avalia Vieira Filho.
Tanto a história de outras revoluções tecnológicas quanto as primeiras análises relacionadas à GenAI não indicam, na percepção dele, um cenário de desemprego em massa ou mesmo de alta probabilidade. “A IA deve ser encarada como uma ferramenta de ampliação da produtividade, componente central do crescimento econômico sustentável e, mais ainda, da ampliação das capacidades humanas. O foco deve ser na transformação e no desenvolvimento de novas habilidades”, finaliza.