Daqui para a frente: desafios e perspectivas para a Reforma Tributária

O Senado aguarda a chegada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que trata da reforma tributária. Apesar de ter sido aprovada pelos deputados em 7 de julho, a Câmara ainda não enviou a proposta, mas o fará após o recesso parlamentar, conforme comunicado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). Nesta edição da Newsletter do IPC, Miguel Silva, sócio-diretor da SABERPLAY Educação Profissional e da Miguel Silva & Yamashita Advogados, destaca a necessidade de uma reforma tributária abrangente, que envolva a tributação sobre consumo, renda e propriedade. Ele ressalta que, politicamente, a reforma deve ser realizada em duas fases: primeiro sobre o consumo e depois sobre renda e propriedade. A PEC nº 45/2019, aprovada na Câmara dos Deputados, propõe a criação de dois tributos: a CBS e o IBS, além do Imposto Seletivo sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Confira a entrevista:

IPC: Qual é a sua avaliação sobre os principais pontos da proposta da Reforma Tributária?

Miguel Silva: A PEC nº 45/2019, recentemente aprovada, prevê a criação de um IVA dual sobre o consumo, em vez de um IVA único. São propostos, assim, dois tributos: a CBS, reunindo os tributos federais (IPI, PIS e COFINS), e o IBS, reunindo o ICMS estadual e o ISS municipal. Além disso, incidirá o Imposto Seletivo sobre o consumo de mercadorias e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Às vezes, passa despercebido, mas uma Reforma Tributária, além de simplificadora, pode proporcionar justiça fiscal, evitando a perpetuação da convivência entre a “má distribuição da renda nacional” e a “concentração da renda nacional”. Ao realizar uma reforma tributária abrangente, torna-se mais claro para o reformador a carga existente em todas as bases econômicas imponíveis no sistema legal, e como ajustá-la para mitigar as desigualdades sociais. Isso envolve recalibrar a carga tributária com a redução dos tributos sobre o consumo e o aumento proporcional dos tributos sobre a renda e a propriedade. Tudo isso deve ser feito mantendo a carga final pré-existente na média nacional, simplificando a gestão tributária para os entes públicos e privados, e eliminando a multiplicidade de agentes reguladores que geram insegurança jurídica nos negócios. Observando o mundo real, não faz sentido convivermos no Brasil com dois nefastos tributos, o ICMS com seus 27 regulamentos estaduais e o ISS com mais de 5.500 regulamentações municipais, enquanto mais de 170 países têm o IVA em operação há décadas. Tais miopias sistêmicas nos levam a concluir que o sistema tributário é um obstáculo para os agentes privados que produzem riqueza, enquanto o Estado, que não produz riqueza, mas gasta, muitas vezes de maneira inadequada, poderia pelo menos não atrapalhar quem produz de boa-fé. Simplificar o percurso tributário, regulando-o por meio de tecnologia, é uma medida necessária para identificar e punir os agentes privados que conduzem seus negócios com má-fé. Simples assim. O objetivo da reforma tributária é impulsionar o crescimento da economia brasileira, gerar emprego e renda, e criar um sistema tributário mais justo, reduzindo desigualdades sociais e regionais.

IPC: Quais são as principais virtudes desta reforma tributária?

MS: Dentre as virtudes da reforma tributária aprovada pela Câmara, destaca-se a eliminação dos regulamentos do ICMS e ISS, os quais disciplinam, cada um a seu modo, fato gerador, base de cálculo, alíquota, formas de apuração e recolhimento, e outros assuntos relacionados à obrigação principal e acessória. É um verdadeiro manicômio tributário. Uma Reforma Tributária que não combata as anomalias do ICMS e do ISS, com seus 27 regulamentos estaduais e mais de 5.500 regulamentos municipais, acompanhados de guerras fiscais prejudiciais, não será eficaz. É necessário adotar uma remodelação simplificadora para as empresas e profissionais, reduzindo os altos custos administrativos e tecnológicos para apurar e declarar tributos no país. Outra virtude é a adoção do “princípio do destino” para o IVA nas operações interestaduais, buscando uma distribuição mais justa das receitas entre os entes federativos e evitando a concessão excessiva de benefícios fiscais. Também destaco a relativa uniformização das alíquotas em nível nacional, com a proposta de alíquota padrão e uniforme para bens, serviços e direitos, permitindo que os entes federados fixem suas alíquotas subnacionais, desde que considerem todos os bens, serviços e direitos, exceto os sujeitos a alíquotas reduzidas e zero. A reforma não tem como objetivo aumentar a carga tributária em média nos tributos substituídos.

IPC: Como seria na prática essa Câmara de Compensação Fiscal?

MS: A Câmara de Compensação Fiscal funcionaria como uma central tecnológica fiscal, semelhante ao CETIP para o sistema bancário. Seria um grande centro de processamento digital que integraria a NFe, SPED Fiscal e o sistema bancário. Isso permitiria identificar em tempo real, por meio de extratos, débitos e créditos relacionados às saídas e entradas de mercadorias, serviços e direitos. Isso facilitaria a identificação dos saldos devedores ou credores dos agentes envolvidos, ou seja, dos saldos por estado, município e contribuinte. Essa Câmara reduziria custos administrativos e facilitaria a transição dos tributos antigos para o CBS e o IBS. Com essa solução, seria possível encurtar o prazo de transição, que atualmente está previsto para 10 anos na PEC aprovada.

IPC: Quais são os principais desafios profissionais relacionados à tramitação da Reforma Tributária?

MS: Um ponto importante para as empresas e profissionais envolvidos é acompanhar de perto a tramitação no Senado, especialmente a instituição do IBS e possíveis mudanças no texto enviado pela Câmara. A transição para o novo sistema tributário será desafiadora, exigindo dos profissionais a “dupla” apuração de tributos, considerando tanto o novo IBS quanto os vigentes ICMS e ISS. A atualização profissional será necessária, considerando a mudança de paradigma fiscal.

IPC: Qual setor da economia pode ser mais afetado pelas mudanças propostas na Reforma Tributária?

MS: De acordo com o texto da reforma, o setor de serviços pode ser afetado mais diretamente em termos de carga tributária. Muitos prestadores de serviços não têm uma cadeia produtiva com intermediários contribuintes, o que faz com que eles se beneficiem menos de créditos tributários. Isso pode resultar em um aumento potencial de carga tributária para esse setor.

IPC: Como a Reforma Tributária pode impactar a vida dos cidadãos, contadores e outros profissionais da área?

MS: As empresas devem considerar o impacto do novo cenário tributário em seus planejamentos estratégicos, especialmente aquelas que elaboram orçamentos anuais ou planejam novos empreendimentos. É importante notar que a reforma não reduzirá a carga tributária em média, e alguns setores, como serviços e locação de bens, podem sentir mais o impacto. Para os contadores, a transição para o IBS exigirá uma “dupla” apuração de tributos e uma atualização profissional para lidar com essa mudança. A extensa fase de transição será desafiadora e demandará adaptação às mudanças no sistema tributário.