Desafios do setor de agronegócios em 2024: aumento dos pedidos de Recuperação Judicial e reestruturação financeira de produtores rurais e revendas agrícolas

O ano de 2023 foi marcado por fortes instabilidades no setor de Agronegócio brasileiro. Tanto houve queda nos preços das commodities na hora de vender os produtos agropecuários, como houve aumento no preço dos insumos devido à especulação de que os preços bons se manteriam, o que não ocorreu. Além disso, o setor foi “abatido” pela ocorrência de diversos problemas climáticos, provocados, principalmente, pela influência do fenômeno El Niño. A influência do El Niño contribuiu fortemente para que ocorresse o que é conhecido por “veranico”, quando há falta de chuva em estágio pós-plantio e/ou de crescimento das diversas variedades de grãos, ou estágio vegetativo.

As consequências da interferência climática fizeram com que fossem dizimadas as lavouras de alguns produtores e comprometeram a safra 2023/2024, bem como interferiram nas próximas safras, como a segunda safra, conhecida por “safrinha” ou “safra de inverno”. Todavia, o segmento de proteínas (carnes bovinas, aves e suínos) também foi afetado, pois dependem da soja, milho, sorgo e outros tipos de produtos que compõem a base de nutrição alimentar animal. Assim, o principal impacto foi, indiscutivelmente, no aumento do preço para produção do alimento animal. Esse cenário deverá permanecer em 2024. Obstante a tudo isso, o setor agro ainda precisa enfrentar um novo risco em 2024 e nos próximos anos, causado por impactos relacionados ao crescimento de pedidos de RJ (Recuperação Judicial) no setor.

De acordo com um canal de informações bastante conhecido no setor – https://www.conjur.com.br/2024-fev-02/agronegocio-sofre-disparada-no-numero-de-pedidos-de-recuperacao-judicial/ -, houve um aumento de 300% nos pedidos de ingressos em recuperação judicial, modalidade bastante temida e mal vista ou interpretada pelo mercado financeiro, sobretudo.

O que precisa ficar claro é que, em circunstâncias relacionadas à Recuperação Judicial, cabe considerar e entender: – O pedido de RJ, por si só, NÃO recupera uma organização, seja ela qual for: segmento, setor, porte ou área de atuação; – A aprovação de um pedido de RJ, por si só, também NÃO recupera ninguém; – O plano de recuperação judicial, tampouco, por si só, NÃO recupera uma empresa ou produtor rural em dificuldades. O que recupera uma organização em dificuldade é trabalho! Então, por que são vistos tantos e crescentes pedidos para ingressos nessa modalidade estratégica de reestruturação de negócios, a recuperação judicial? Certamente o desespero organizacional, a falta de conhecimento de gestores, falta de apoio de entidades e instituições ligadas ao setor, falta de diálogo com credores, baixo nível de interesse de credores em estabelecer meios “alternativos” para retomada dos negócios, falta ou baixo nível de planejamento financeiro e estratégico, falta de humildade, baixo nível de caráter profissional de alguns “assessores”, e, até mesmo, às vezes visto, falta de respeito de ambos os lados (credor/devedor).

Contudo, digo sempre que é em momentos como esses que se pode aprender, e com isso, aprender a melhorar, aprender a crescer, bem como, aprender a gostar de fazer as coisas com maior planejamento, gestão e controle. Se olharmos para o setor de agronegócio nos últimos vinte anos, vemos, facilmente, um grande salto tecnológico dentro e fora das propriedades rurais. É visível, em qualquer propriedade de pequeno, médio ou grande porte, o mais alto nível de tecnologia embarcada, seja no uso de “drones, equipamentos monitorados por IA, IoT, máquinas e tratores autônomos e de última geração; mas também, na genética animal e vegetal, onde as pesquisas são desenvolvidas em mais alto nível mundial.

Temos a maior quantidade de startups voltadas ao desenvolvimento do agronegócio no mundo, haja vista o inovador e exemplar ecossistema de soluções criado em Piracicaba – SP, na Esalq – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, chamado AGTec Garage ou AGTec Innovation, o qual reúne o maior conjunto de pequenas organizações startups, investidores e grandes organizações, desenvolvendo soluções para o setor de agronegócio. A EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária é a organização mais eficiente do mundo em diversos estudos e pesquisas práticas, todas voltadas à implementação e melhorias no setor Agro. Mais de 90% dos profissionais da EMBRAPA são mestres e doutores, de forma que não se verifica outra organização com tamanho nível acadêmico-profissional em qualquer parte do planeta. Tudo isso voltado ao setor de Agronegócios brasileiro! Que continue assim! Mas, e a gestão? Como é a gestão organizacional no setor que corresponde a mais de 27% do PIB nacional e mais de 40% das exportações brasileiras e emprega mais de 22 milhões de pessoas?

Bem, a gestão no setor de Agronegócio não reflete (ao menos na maioria das organizações) os pontos favoráveis destacados há pouco. É visto, frequentemente, métodos, ações e práticas de gestão como se via há 20 ou 30 anos atrás. Embora a evolução tecnológica e as práticas operacionais tenham se desenvolvido tanto, a gestão, paradoxalmente, não seguiu o mesmo caminho. Entretanto, há ações e meios que são pensados, tanto por empresas e profissionais do mercado financeiro e de capitais, com apoio (ainda incipiente) de organismos municipais, estaduais e federais; em busca por soluções que possam auxiliar esse relevante setor. A exemplo, pensa-se e inicia-se, neste ano de 2024, meios de construir alguns artefatos financeiros alternativos capazes de auxiliar a melhoria da gestão financeira, da eficiência do fluxo de caixa e da liquidez das propriedades rurais brasileiras, o que, inevitavelmente, pode corroborar não somente os produtores rurais, mas pode auxiliar a gestão e eficiência de Revendas Agrícolas e demais atores que transacionam negócios com o produtor rural, como as indústrias e agentes financeiros.

O “Fiagro Reorg”, recentemente batizado, será uma dessas ferramentas. Como disse essa postagem da AgFeed: o produtor rural poderá participar de um condomínio fechado de crédito, utilizando as garantias (fazendas e demais ativos) para compor uma operação de crédito especificamente para equalizar suas dívidas, bem como, melhorar as condições de prazo para pagamentos, taxas de juros – pois evita-se os altos encargos de inadimplência -, bem como, por consequência, acredita-se que irá evitar diversos casos desnecessários de pedidos de RJ – recuperação judicial. Maiores detalhes sobre essa matéria acesse o link: https://agfeed.com.br/financas/com-fiagros-governo-e-mercado-mostram-antidoto-para-as-dividas-agricolas-e-as-rjs/. Ou seja, há solução! Precisa de trabalho inteligente e maior envolvimento de partes integrantes, as quais tanto se beneficiam quando o setor de Agronegócios vai bem. Nesse momento, o setor de Agronegócio brasileiro necessita de apoio, respeito, melhorias na gestão e, talvez, um pouco de humildade para entender que nunca sabemos tudo, que precisamos buscar aprender a cada dia!

 

Artigo escrito por Roberto Rodrigues, head adjunto da ANEFAC Agro e CEO na R R Life Capital C Agribusiness. É doutor em Finanças e Controladoria pela Universidade P. Mackenzie – SP, bem como professor conteudista na FGV EAESP, Mackenzie e FIA Business School.