Por Ayres Moura
A transparência e o acesso às informações públicas são alguns dos pilares fundamentais de um governo aberto à participação popular. O que se exige do setor, levando-se em conta as demandas por eficiência na gestão pública, é um padrão de informações que permita aos órgãos públicos e seus stakeholders – cidadãos, investidores, administradores, entre outros – uma visão clara e real da situação econômica e financeira.
Em 2008, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) editou o documento “Orientações Estratégicas para a Contabilidade Aplicada ao Setor Público no Brasil”. Uma de suas principais diretrizes era estimular a convergência brasileira às International Public Sector Accounting Standards (IPSAS), que são as normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público.
Em continuidade a esse processo, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) aprovou em 2015 a Portaria nº 548, que trata da aprovação do Plano de Implantação dos Procedimentos Contábeis Patrimoniais (PIPCP), estabelecendo prazos obrigatórios relativos à implantação na União, Estados e Municípios brasileiros. Tais prazos limites variam desde a implementação imediata até 2025.
Em 2023, a STN atualizou o PIPCP incluindo novas normas contábeis publicadas ou atualizadas desde a emissão da Portaria nº 548. O prazo para implementação das novas normas varia de 2025 a 2032. Importante ressaltar que a Portaria diz ainda que, caso o ente da Federação não implemente o PIPCP, ficará impedido de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito – com exceção das destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.
A convergência às IPSAS é uma revolução na forma como a contabilidade é feita no setor público, visto que ainda há uma forte cultura orçamentária com foco nas entradas e saídas de caixa, em contraste com as IPSAS que incorporam o conceito do regime de competência, exigindo que todos os direitos e obrigações sejam registrados. Com foco atual somente nas entradas e saídas de caixa, rodovias, parques, terrenos, bens de infraestrutura e dívidas podem não estar registrados no balanço patrimonial. Como exemplo, o setor público foca essencialmente no quanto irá gastar anualmente, sem considerar que financiamentos obtidos comprometerão diversas gerações futuras, com dívidas que podem se estender por décadas e que simplesmente não estão registradas. Tudo passará a ser mensurado e contabilizado com a convergência às IPSAS.
Além disso, a contabilidade com base no regime de competência é uma importante ferramenta de apoio ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, permitindo, dentre outros, maior visibilidade do endividamento público, bem como deve fornecer informações fidedignas para todo o processo de planejamento e orçamento.
A padronização do sistema de contabilidade vai permitir ainda a comparação entre os entes da Federação. Os cidadãos terão uma importante ferramenta para questionar, por exemplo, os motivos que levam determinados municípios – com habitantes e receita similares – a prestarem serviços tão diferentes à população. Também será possível comparar a atuação com outros países. Com isso, a má gestão será facilmente evidenciada e os maus gestores facilmente identificados.
Em 2019, a STN implementou o Ranking da Qualidade da Informação Contábil e Fiscal no Siconfi, uma ferramenta destinada ao recebimento de informações contábeis, financeiras e de estatísticas fiscais oriundas de um universo que compreende 5.570 municípios brasileiros, 26 estados, o Distrito Federal e a União. O desempenho geral dos entes no ranking, em relação à qualidade da informação contábil e fiscal, vem aumentando ao longo do tempo, passando de 69,68% em 2019 para 76,72% em 2022.
Apesar de não ser um indicador da implementação das Normas Contábeis, conclui-se empiricamente que essa evolução se deve ao resultado do instalado ambiente cultural-contábil de convergência à normas internacionais de contabilidade, que indiretamente têm fomentado o compromisso com a qualidade da informação contábil, especificamente quanto a sua relevância, compreensibilidade e verificabilidade, demonstrando, assim, uma preocupação cada vez maior com a qualidade das informações contábeis disponibilizadas aos seus diversos usuários.
Vale destacar ainda que o Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil mantém um grupo de trabalho específico para tratar dessas questões e orientar os profissionais de auditoria e contabilidade e o mercado, bem como tem desenvolvido ações de capacitação em parceria com a Secretaria do Tesouro Nacional e o Conselho Federal de Contabilidade.
Por Ayres Moura, membro do Grupo de Trabalho Área Pública do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil