O economista Paulo Duarte, da Valor Investimentos, explica a “injusta” dinâmica da pandemia e da alta inflação. Enquanto uma parcela reduzida da população consome sem preocupação, milhões de brasileiros sofrem com a carestia em itens básicos. “Quando entramos nos componentes do IPCA, notamos que a energia elétrica, os combustíveis e os alimentos estão com inflação bem maior. São itens consumidos, principalmente, por cidadãos de renda mais baixa, fazendo com que a inflação efetiva seja maior para essa parcela da população”, diz.
Segundo Duarte, a alta nos alimentos, item mais básico da lista, vem sendo puxada pela supervalorização das commodities agrícolas. “Proteínas animais, soja, café, todos são itens afetados pela inflação”, pontua o especialista.
De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), entre os alimentos mais impactados nos últimos meses, estão o óleo de soja, com 90% de aumento; a carne bovina, com 40%; e o arroz, com mais de 50%. Mas apesar da carestia nas prateleiras, o item mais pesado no IPCA ainda é a energia elétrica.
Nos últimos doze meses, os dados mensais do IBGE mostram um salto no IPCA de abril para maio, de 6,7% para 8%, período em que começou a ser cobrada a taxa de bandeira vermelha na conta de energia elétrica. Os dados divulgados ontem pelo instituto apontam que o reajuste de 52% na tarifa vermelha patamar 2, incidiu fortemente na conta de luz. O item, que entra dentro do grupo de habitação, corresponde, sozinho, a 0,35% do total acumulado no mês de julho.
Nesse cenário, sustentar a casa é um drama. Chauana Francisco, 32 anos, moradora de Osório (RS), sabe bem o peso da inflação no bolso. A auxiliar administrativa, mãe de Stella (8 anos) e Charlotte (8 meses), conta que, após o término da licença maternidade da filha caçula, foi despedida do emprego sem justa causa. Desde então, Chauana “se vira como pode”, com o seguro desemprego no valor de R$1.100 e R$ 380 de pensão alimentícia.
“Eu não tenho carro, mas pago aluguel, internet, luz, água. Tudo está caro. O que mais pesa é o mercado e coisas para a bebê. Eu quase não consigo dar conta”. Apesar das dificuldades, Chauana é otimista. “Confio muito em Deus. Tento fazer o melhor por elas”, diz.
Ata do Copom alerta para risco fiscal
O Comitê de Política Econômica (Copom) do Banco Central divulgou ontem a ata de sua última reunião, realizada em 3 e 4 de agosto. No documento, o comitê reafirma a evolução positiva da atividade doméstica, especialmente com o avanço da campanha de vacinação contra a covid-19 no Brasil. O documento, no entanto, sinaliza a preocupação com a situação fiscal. “Os riscos fiscais continuam implicando um viés de alta nas projeções (de inflação)”, se atém o documento sobre o tema, apontado por especialistas como uma das principais causas de pressão inflacionária no país.
A questão fiscal pode ser um grande obstáculo no caminho da recuperação econômica, segundo Cristiane Quartaroli, economista do Banco Ourinvest. Para ela, a demonstração de perda de compromisso do governo com o ajuste fiscal, o período pré-eleitoral e um cenário externo em recuperação, formam a tríade que prejudica o mercado. “Em diversos momentos, o governo tentou furar o teto de gastos, manteve um discurso de menos comprometimento da parte fiscal. E há outros fatores: as eleições, que trazem preocupação com aumento de gastos; o cenário externo, com crescimento global desacelerando; e a expectativa de arrefecimento nos preços de commodities. Tudo isso prejudica o mercado”, afirma Quartaroli.
O economista Paulo Duarte concorda. Segundo ele, o mercado voltou a monitorar mais de perto a questão do déficit fiscal, e a pressão só aumenta sobre o BC. “É um quadro preocupante e vamos ver até onde vai continuar a tranquilidade do BC, que já começou a elevar um pouco mais a taxa selic para tentar controlar essa inflação”, destaca.
Economias centrais
Outro quadro preocupante, mas que não foi ignorado pelo Copom, é o impacto da retomada econômica dos países desenvolvidos nas economias emergentes. “O Comitê avalia que, a despeito dos movimentos recentes nas curvas de juros, ainda há risco relevante de aumento da inflação nas economias centrais. Ainda assim, o ambiente para países emergentes segue favorável com os estímulos monetários de longa duração, os programas fiscais e a reabertura das principais economias”, diz o colegiado.
Para Cristiane Quartaroli, ainda que exista preocupação com as variantes do coronavírus e possíveis impactos nas economias, no Brasil não há como ignorar outro fator: o “cenário político nebuloso”, com processo de CPI em curso. “Isso acaba afetando a confiança dos empresários e impacta na decisão de investimento das empresas”, explica a economista do Ourinvest. Ainda segundo ela, a tendência sobre a inflação é de piora, devido ao IPCA acumulado no ano de 8,9%, à alta do dólar que acaba sendo repassada ao consumidor no consumo de bens industrializados e ao aumento dos preços no setor de serviços. “É pressão inflacionária por todos os lados, e o desafio de conter o avanço da inflação fica com o BC. Temos hoje o Brasil na sua essência: baixo crescimento, inflação e juros em ascensão”, reforça a economista do Banco Ourinvest.
Os riscos externos citados por Quartaroli foram reconhecidos pelo Copom na última ata. “Nesse contexto, novas discussões sobre o risco de um aumento duradouro da inflação nos Estados Unidos e a consequente reprecificação nos mercados financeiros podem tornar o ambiente para as economias emergentes desafiador”, diz o documento assinado pelo colegiado.
Retomada de 2021 é ilusória
O último boletim Focus, divulgado na segunda-feira, mantém a previsão de crescimento do PIB de 2021 em 5,3%, mas aponta redução de 2,10% para 2,05% no Produto Interno Bruto (PIB) de 2022. Para Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor-doutor em Economia Política da PUC-SP, a “boa fase” de 2021 é ilusória, pois grande parte dessa recuperação decorre do efeito estatístico da paralisação da economia em 2020, quando houve uma queda do PIB de 4,1%, o que não ocorrerá em 2022. “Ano que vem não haverá o mesmo efeito. E o desemprego é elevado, a renda real em queda, e o nível de investimentos muito baixo. Portanto, a economia brasileira voltará ao velho padrão de crescimento baixo, entre 1 e 2%”, afirma.
A alta inflação que pesa no bolso do brasileiro hoje não é decorrente de pressões de demanda, diz Lacerda, mas de choques de preços de commodities, alimentos, petróleo e minério de ferro, por exemplo, além da desvalorização do real. “Como os alimentos têm um peso maior na cesta de consumo dos mais pobres, são esses que mais sentem os efeitos da carestia”, ressalta o professor.
Ainda segundo ele, a tendência deve se manter em 2021, podendo arrefecer somente em 2022 a depender dos preços internacionais das commodities. “Os produtos agrícolas também vêm sofrendo efeitos climáticos, como frio intenso em algumas regiões e estiagem prolongada. Se a crise energética se intensificar, o que é provável, novas pressões de inflação virão”, alerta.
BC erra maioria das projeções
Desde o início do segundo semestre de 2020, quando a alta das commodities no mercado internacional passou a impulsionar os preços de alimentos no Brasil, o Banco Central vem errando seguidamente, para baixo, suas projeções de inflação de curto prazo. De julho de 2020 a julho de 2021, o BC subestimou a inflação em suas projeções em 9 dos 13 meses considerados. No episódio mais recente, calculou uma inflação de apenas 0,39% em julho, enquanto o IBGE revelou nesta terça-feira, 10, uma taxa de 0,96%. Apesar disso, o BC, comandado por Roberto Campos Neto, manteve o discurso de que as elevações nos preços dos alimentos eram transitórias. Com o passar do tempo, foi ficando claro que as pressões não seriam temporárias. Ainda assim, o BC se manteve otimista, subestimando o avanço dos preços.
Fonte: Correio Brazilienze – Por Fernanda Fernandes