Até pouco tempo o que regia a contabilidade aplicada ao setor público era somente a Lei nº 4320/64, que inclusive determinava que o regime contábil era o “misto”, o que causava muita confusão no meio contábil. Segundo Valmir Leôncio da Silva, especialista em contas públicas, acadêmico da Academia Paulista de Contabilidade (APC) e conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (CRCSP), desde 2008, o Brasil buscou a convergência aos padrões internacionais, que por iniciativa do CFC (Conselho Federal de Contabilidade), em parceria com o Ministério da Fazenda, iniciou o movimento pela convergência na área pública.
Assim, o Ministério editou a Portaria n° 184/2008, que estabeleceu as diretrizes sobre o processo de convergência às normas internacionais e elevou o patamar da contabilidade pública a níveis internacionais, inclusive, entre outros, instituiu o regime de competência para elaboração dos balanços públicos. Confira a entrevista do especialista a Newsletter do IPC.
Newsletter IPC: Os casos de corrupção serviram e servem de exemplo, mas ainda temos muitos processos que não são transparentes. A que você atribui isso?
Valmir Leôncio da Silva: Infelizmente, temos uma máquina pública muito inchada, muitas vezes por pessoas que não estão comprometidas com o bem público. Trabalhei na área privada e migrei para a área pública por meio de concurso, o que me fez ser independente em minhas ações, pois sempre pensei em “estado” e não em governo, pois independente do governante continuava realizando meu trabalho de acordo com minhas atribuições.
Dessa forma, acredito que o concurso público é a melhor forma de entrada de novos servidores na administração, pois o servidor concursado não precisaria prestar favores a quem quer que seja. Isso faz com que a administração seja menos voltada a interesses escusos. Com isso, a tendência, no meu ponto de vista, é diminuir a corrupção, tornando a administração mais transparente.
Também corroboro da ideia de que o servidor público deve ter uma educação profissional continuada, bem como um sistema eficaz de avaliação e de fiscalização dos trabalhos realizados.
IPC: Qual a importância da transparência ou que pelo menos deveria ter na contabilidade pública os órgãos municipais, estaduais e federais?
VLS: A transparência é muito importante, mas não basta apenas publicar os demonstrativos contábeis no site do órgão objetivando atender a uma exigência legal é necessário, também, simplificar as informações e fazer com que o cidadão comum tenha conhecimento do que está acontecendo com seu dinheiro, pois, poucos sabem que o maior sócio da administração é o próprio cidadão, que paga seus impostos e tem direito de saber para onde estão sendo alocados seus recursos.
IPC: Você acredita que o trabalho da CGU Controladoria-Geral da União tem surtido efeito, de que forma?
VLS: A CGU tem como função exercer o controle e fiscalização de todos os valores arrecadados e aplicados pela União, inclusive aqueles que foram destinados, através de convênios, para os estados e municípios. Apesar de ser um órgão do governo federal e, por isso, a ele subordinado hierarquicamente, tem sua independência na realização dos trabalhos. Não é muito divulgado, mas os trabalhos desenvolvidos pela CGU servem de parâmetros para todos os entes públicos, que se utilizam muitas vezes das informações geradas pelos levantamentos da CGU para se orientarem quanto a realização dos seus trabalhos.
É importante ressaltar que no plano internacional, a CGU é reconhecida em todos os organismos internacionais, Banco Mundial, OCDE, Transparência Internacional, Iaca (Academia Internacional Anti-Corrupção), no combate à corrupção.
IPC: Para onde devemos caminhar com o futuro da contabilidade pública?
VLS: A contabilidade vêm avançando bastante nos últimos anos, mas antes de falarmos em uma contabilidade de nível internacional (alguns órgãos públicos já estão alcançando tal proeza) temos que conseguir uniformizar os procedimentos internos, pois no Brasil, além da União, temos 5.570 municípios, 26 estados e o Distrito Federal, e vários órgãos que também utilizam a contabilidade pública, como os Tribunais de Justiça, Assembleias Legislativas, Câmaras de Vereadores, Tribunais de Contas, entre outros.
Muitos desses ainda têm uma baixa qualidade da informação, ou seja, ainda não se pode ter uma confiança na qualidade da informação contábil. Para alcançarmos tal qualidade, teremos que avançar ainda em vários aspectos, implantação de um sistema de custos, contabilização de todos os bens públicos, bem como um sistema de depreciação eficiente, implantação total do regime de competência etc. Mas o que é importante comentar é que nos últimos 13 anos conseguimos avançar muito em relação ao que tínhamos antes.