Como as empresas devem preparar seus relatórios de sustentabilidade de acordo com a Resolução CVM 193?

A Resolução CVM 193/2023, uma iniciativa crucial da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), estabelece diretrizes para a sustentabilidade nas práticas corporativas. A resolução busca garantir que companhias de capital aberto, fundos de investimento e securitizadoras apresentem relatórios de informações financeiras sobre sustentabilidade, alinhados com padrões internacionais. Em entrevista à Newsletter do IPC, Vanessa Cabral Gomes, Diretora e Consultora Sênior da Coera Sustentabilidade, detalha a importância dessa resolução e os impactos esperados em toda a estrutura empresarial, fornecendo uma visão abrangente sobre os novos desafios e oportunidades que surgem com a adoção das normas de sustentabilidade no Brasil.

 

1. Newsletter IPC: O que é a Resolução CVM 193/2023 e por que ela é importante?

Vanessa Cabral Gomes: A Resolução CVM 193/2023 é a primeira iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para implementar sua Política de Finanças Sustentáveis. A Resolução 193 determina que companhias de capital aberto, fundos de investimento e securitizadoras devem elaborar e divulgar relatórios de informações financeiras sobre sustentabilidade, seguindo os padrões internacionais IFRS S1 e S2, emitidos pelo ISSB. O principal objetivo é atender às expectativas dos investidores por informações de sustentabilidade confiáveis, comparáveis e conectadas com as demonstrações financeiras, que sejam materiais do ponto de vista financeiro.

2. Newsletter IPC: A adoção das normas ISSB é obrigatória?

Vanessa Cabral Gomes: O Brasil foi o primeiro país a adotar as normas em sua regulação por meio da Resolução CVM 193. Neste sentido, as normas já são obrigatórias para as companhias de capital aberto registradas na CVM nas categorias A e B. No entanto, outros reguladores já planejam lançar suas regulações em linha com a IFRS S1 e S2 ainda este ano. O Conselho Federal de Contabilidade, por meio da Resolução CFC 1710/2023, inseriu nas Normas Brasileiras de Contabilidade as Normas Brasileiras de Contabilidade para Divulgação de Informações sobre Sustentabilidade – NBC TDS; e as Normas Brasileiras de Contabilidade para Asseguração de Divulgação de Informações de Sustentabilidade – NBC TAS. Conforme consta no Art. 3º da Resolução, enquanto as NBCs TDS não forem lançadas, “fica facultada a adoção antecipada das normas IFRS S1 e IFRS S2 emitidas pelo ISSB, e de seus respectivos anexos, para divulgação dos relatórios de sustentabilidade referentes aos anos-calendários de 2024 e 2025.”

A partir do ano-calendário 2026, os padrões referidos nesta Resolução serão obrigatórios, sempre que a entidade divulgar Relatório de Informações de Sustentabilidade. Importante destacar que no Brasil, as IFRS S1 e S2 serão denominadas CBPS 1 e 2. O Banco Central também tem como uma de suas prioridades estabelecer, ainda em 2024, uma norma para a divulgação de informações de sustentabilidade em linha com o ISSB (IFRS S1 e S2), impactando todas as instituições financeiras.

3. Newsletter IPC: Quais são os principais benefícios para as empresas que adotarem essas normas de sustentabilidade?

Vanessa Cabral Gomes: Acredito que um dos principais benefícios para as empresas com a adoção das normas IFRS S1 e S2 seja o aumento da consciência dos gestores sobre a importância da responsabilidade fiduciária em relação às informações não financeiras publicadas pelas organizações. Outros benefícios são:

  • Entender os impactos ambientais, sociais e climáticos dos negócios, propiciando a gestão e transparência de riscos e oportunidades, em uma visão de longo prazo e não mais apenas de desempenho passado.
  • Nesse sentido, invariavelmente iremos experienciar o amadurecimento das organizações a partir da incorporação de aspectos de materialidade financeira de sustentabilidade na estratégia empresarial, garantindo que os recursos sejam alocados de maneira eficaz e promovendo a resiliência dos negócios.

4. Newsletter IPC:  Como as empresas devem preparar seus relatórios de sustentabilidade de acordo com a Resolução CVM 193?

Vanessa Cabral Gomes: De forma bem resumida, a IFRS S1 versa sobre os requisitos gerais para a divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, e a S2 sobre divulgações relacionadas ao clima.

S1: O conteúdo principal dos relatórios se baseia na divulgação dos riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade que tenham expectativa razoável de impactar a posição financeira (por exemplo, ativos e passivos), desempenho (por exemplo, receita e despesas) e fluxos de caixa.

S2: devendo ser divulgados riscos climáticos, incluindo riscos físicos e de transição, além de oportunidades climáticas, que tenham expectativa razoável de impactar a posição financeira (por exemplo, ativos e passivos), desempenho (por exemplo, receita e despesas) e fluxos de caixa.

Nas duas normas, é necessário apresentar as informações no que tange a: governança, estratégia, administração de risco, métricas e metas.

5. Newsletter IPC: Quais são os prazos para a divulgação desses relatórios?

Vanessa Cabral Gomes: Tanto a CVM quanto o CFC contam com o mesmo calendário.

Ano base 2024, com publicação em 2025 – adesão voluntária com asseguração limitada.

Ano base 2025, com publicação em 2026 – adesão voluntária com asseguração limitada.

Ano base 2026, com publicação em 2027 – adesão obrigatória com asseguração razoável e publicação máxima permitida até cinco meses após o fim do ano fiscal (maio).

A partir do segundo ano obrigatório, os relatórios deverão ser publicados em até três meses após o encerramento do exercício social ou na mesma data de envio das demonstrações financeiras (o que ocorrer primeiro).

6. Qual o papel dos auditores nesses relatórios de sustentabilidade?

Vanessa Cabral Gomes: A resolução determina que os relatórios de sustentabilidade sejam assegurados por um auditor independente registrado na CVM. Como mencionado acima, o CFC também está para lançar as Normas Brasileiras de Contabilidade para Asseguração de Divulgação de Informações de Sustentabilidade – NBC TAS, que deverão nortear esse processo. Um dos grandes desafios será garantir que as organizações terão suas informações e dados devidamente organizados para que seja possível realizar o processo de asseguração tempestivamente, garantindo a publicação dos relatórios nos prazos estipulados pela resolução.

7. Como as empresas podem se preparar para a adoção obrigatória das normas ISSB?

Vanessa Cabral Gomes: A preparação para a adequação às normas é intersetorial, multidisciplinar e interdependente.

SUSTENTABILIDADE: desenvolver e promover a dupla materialidade de sustentabilidade e sua respectiva estratégia, engajando as áreas afins na gestão dos impactos, riscos e oportunidades, garantindo que a sustentabilidade seja incorporada ao modelo de negócio.

RISCO: garantir que os riscos de sustentabilidade estejam contemplados na Matriz de Risco da organização, considerando toda a cadeia de valor: identificar, avaliar, priorizar e monitorar esses riscos.

ESTRATÉGIA: garantir que o desenho da estratégia da organização esteja elaborado para satisfazer e gerenciar os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade.

CONTROLADORIA: fornecer informações que permitam que os investidores entendam como riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade possam razoavelmente afetar os fluxos de caixa, o acesso a financiamento ou o custo de capital da empresa no curto, médio e longo prazo.

COMPLIANCE: avaliar a estrutura de compliance e controles internos, identificando processos e controles que suportam as informações atualmente divulgadas, para que, se for o caso, possam ser adaptados para o atendimento às normas, incluindo a necessidade de produção de evidências para fins de asseguração.

GOVERNANÇA CORPORATIVA: desenvolver e promover processos, controles e procedimentos de governança para que o Conselho e demais agentes de governança possam monitorar, gerenciar e supervisionar riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade.

RELAÇÕES COM INVESTIDORES: garantir que os investidores recebam informações relevantes e fidedignas sobre os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade de forma comparável, verificável, oportuna e compreensível.

Além disso, é fundamental que se desenvolvam rotinas, processos, fluxos e sistemas que garantam a verificabilidade dos dados e a conectividade entre as informações disponibilizadas nos Relatórios de Administração, Demonstrações Financeiras e Relatórios de Sustentabilidade. Para isso, recomendamos o desenvolvimento de um plano de adequação às normas no período de adesão voluntária, para que em 2026 as organizações estejam preparadas para publicar relatórios aderentes às normas.

8. Quais são os desafios esperados na implementação dessas normas?

Vanessa Cabral Gomes: Basicamente, são três os desafios:

Gestão de dados: monitorar, compilar e verificar dados e informações, garantindo a confiabilidade.

Conectividade: garantir que os investidores possam entender as conexões entre RA, DFs e RS/IR. Além disso, garantir que as áreas de negócio atuem de forma conectada para minimizar o terceiro desafio.

Tempestividade: publicar o RS/IR junto com o RA e DFs.

9. O que acontece se uma empresa decidir não adotar as normas ISSB voluntariamente?

Vanessa Cabral Gomes: Como a adesão é voluntária nos anos base 2024 e 2025, não existe nenhuma punição para as empresas que não aderirem às normas IFRS S1 e S2 na elaboração dos seus relatórios de sustentabilidade. No entanto, é inegável que as organizações perderão uma janela de aprendizado e amadurecimento importante, considerando a complexidade das exigências das normas.